Hiram Latorre

S2S2S2

São Paulo
08.02 — 15.03.2025

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Yuri Quevedo 

Diante das pinturas de Hiram Latorre é comum, e até gostoso, enumerar suas referências lembrando a tradição de naturezas mortas, depois Matisse; reconhecer nelas a presença do mobiliário de Lina Bo Bardi ou uma improvável história da arte marcada pelas bananas. A força dessas lembranças nos seduz, guiando o olhar satisfeito para águas tranquilas, onde o prazer se insinua nas cores, nas formas, na sensualidade das superfícies. Da fonte de um conforto conhecido e partilhado jorra a alegria de ver coisas bonitas.

As cores – ocre, oliva, ouro, terracota e safira – são misturadas à cera de abelha e depois esticadas por superfícies que se encaixam umas sobre as outras. Sua natureza fosca, sem brilho nem transparência, faz com que se assentem pesadas sobre o linho fino da tela, velando o segredo de suas camadas, cheias de si. São elas, as cores, que arranjam o ambiente ambíguo das naturezas mortas que é iluminado e construído de maneira luxuriante.

Uma luz baixa controla os tons da pintura, adensando seus valores, fazendo com que eles permaneçam latentes numa espécie de penumbra. Ao mesmo tempo, é a densidade – igual em toda parte – que faz com que espaço e objetos tenham o mesmo peso, causando confusão entre os planos estruturantes e a decoração, como no espaço efêmero das tendas, onde tudo se torna adorno, sejam os motivos das toalhas ou o vazio entre os objetos. Em suma, um mundo palpável, uma realidade luxuosa. Ora, se a natureza morta é uma das maneiras pelas quais artistas organizam pequenas realidades em seus ateliês, ordenando o mundo para a expressão da proficiência, seria possível afirmar o interesse de Hiram nessa beleza opulenta e sensual – numa atmosfera de delícia e prazer – como um desafio à sua observação apurada, reveladora de seu jeito próprio de ver as coisas e o cotidiano.

Todavia, algo aconteceu aqui. Algo que se nota no equilíbrio improvável dos objetos, no caimento das toalhas, na dispersão das frutas; mas também em romãs que se animam como serpentes, ou cadeiras que estiram suas pernas para dar as mãos ou alcançar um abraço. Fatos que denunciam a ausência de correspondência no mundo para essas naturezas mortas, elas não têm modelo, jamais foram vistas. São pura imaginação. Esse desencontro com o real faz com que o trabalho de Hiram se afaste da urgência do presente, derivando no sonho ou na alucinação de um mundo gostoso. Hiram não observa, ele imagina uma realidade na qual sentiria prazer.

Algo de fato acontece nessas pinturas ¬– grave como a arte – como indício de um novo estado de coisas, ainda difícil de entender: a confiança em um mundo melhor – e no papel de artistas como seus ordenadores – foi substituída pela insistência em dar solidez ao imaginário, confiando que, antes do projeto, vem o sonho. Para isso, Hiram instala um caos tranquilo, onde os vazios são sensuais, as coisas se desejam tal como gente, as romãs se organizam para uma beijoca e S2S2S2.

Derreter de desejo, 2024

Óleo e cera de abelha sobre linho
Unique
70 x 80 cm

Juntinhos (dois vasos, quatro camelos), 2024

Óleo e cera de abelha sobre linho
Unique
70 x 80 cm

Fofoca (reunião de beijinhos), 2024-2025

Óleo e cera de abelha sobre linho
Unique
70 x 80 cm

Pedacinhos de eternidades, 2024

Óleo e cera de abelha sobre linho
Unique
170 x 260 cm (2 partes)

Um lugar (fumacinha), 2024-2025

Óleo e cera de abelha sobre linho
Unique
70 x 80 cm

De mãos dadas, 2024-2025

Óleo e cera de abelha sobre linho
Unique
260 x 340 cm (4 partes de 130 x 170 cm)

Até eu encontrar você, 2024-2025

Óleo e cera de abelha sobre linho
Unique
130 x 170 cm

Beijocas (coração), 2024-2025

Óleo e cera de abelha sobre linho
Unique
130 x 170 cm

Dança das cadeiras (ciranda), 2024-2025

Óleo e cera de abelha sobre linho
Unique
130 x 170 cm