Gretta Sarfaty/ almost reflections of a woman é o nome desta exposição – realizada pela Martins&Montero em parceria com a Central – que abarca nove obras inéditas produzidas em tinta acrílica sobre tela pela artista em Londres, no ano de 1997.
São trabalhos que fazem parte de uma série que Gretta Sarfaty chamou de Reflections of a Woman (“Reflexos de uma Mulher”, em português), título que contém certa ambiguidade, jé que a palavra reflections significa tanto reflexos (mudanças de direção do ângulo da luz) quanto reflexões no sentido de meditações, pensamentos, ideias, opiniões e até filosofias.
Mas na pintura não existe filosofia alguma. Há a pintura. A pintura apenas. A pintura com suas cores, formas, linhas, contornos, movimentos, profundidade e perspectiva. Se há algum pensamento, ele está no pincel do pintor, que emprega seu corpo no ato de pintar e transforma o mundo em pintura, como afirmou Valéry.
Porque o pintor faz parte do mundo e com ele mantém uma relação misteriosa. O mundo está dentro dele também. Uma espécie de contradição. Um paradoxo. Como se existisse um espelhamento entre os dois. Um enigma que o torna ao mesmo tempo vidente e visével. Um reconhecimento entre os dois de que a visão é uma espécie de espelho e, também, a concentração de todo o universo.
Paul Klee dizia que olhava as coisas e as coisas olhavam para ele de volta. André Marchand falava que a floresta o observava enquanto ele a pintava. Matisse gostava de figurar ele próprio no ato de pintar, como se, ao fazê-lo, pudesse refletir melhor sobre si mesmo e as coisas que pintava por meio do desenho.
Muitos pintores sonharam com espelhos e pintaram espelhos. O espelho na pintura holandesa não deixa de ser o olho do pintor. O olho redondo “que se intromete no quadro” para refletir ao espectador aquilo que está fora da pintura. O olho que olha o espectador de volta. Uma pintura dentro da própria pintura. Um reflexo do mundo. O reflexo do pintor. O pintor.
Porque o pintor pensa por meio da pintura, como disse Cézanne. E o pensamento do pintor não é de modo algum uma prática separada de sua obra, como uma filosofia, um manual de estética ou uma crítica da arte, mas constitui a própria práxis, ou seja, a obra de arte.
E a obra de arte, sobretudo a pintura, basta a si mesma para ser vista e contemplada. Qualquer coisa que for dita sobre ela é opinião, crítica e coisa feita a posteriori. Talvez, nada disso corresponda à espontaneidade do ato da pintura, à subjetividade do pintor ou ao objeto de arte (que mudo) é capaz de falar por si mesmo.
Porque o objeto de arte constitui “a coisa em si”. Trata-se do fenômeno, palavra de origem grega que significa “aparição”. E requer um instante, de quem o contemple, no qual haja uma espécie de esquecimento do mundo e até de si mesmo, para que ele surja, apareça e se revele, enfim, como phainomenon.
Gretta Sarfaty/ almost reflections of a woman pede esse tempo. É como se, esquecendo-se do mundo, das coisas, do prosaico e do tempo do relógio, fosse permitido adentrar cada quarto pintado por Gretta Sarfaty e ali estar a sós com cada mulher nua retratada pela artista. E junto delas demorar-se diante do espelho.
Porque para olhar o nu é preciso também estar (quase) nu. E esquecer o tempo. Esquecer as preocupações. Esquecer a vida diária, o cotidiano ordinário e o banal. Mais do isso, esquecer qualquer teoria. Porque para admirar o corpo nu de uma mulher não é preciso sistema filosófico algum. É preciso apenas ter olhos.
E num instante, num piscar de olhos, talvez, o fenômeno aconteça: o espelho da tela “Travelling” se movimente e o seio da mulher e seu sexo se revelem. O silêncio de “Pianíssimo” se quebre com o movimento das pernas (pp) da linda moça de cabelos curtos. E seu ser seja tomado pelo impronunciável do erotismo de um tempo que não existe nesse mundo ainda.
Reflections of a Woman, de Gretta Sarfaty, pede a suspensão do tempo. São trabalhos de uma natureza almost vintage. Almost porque quase completam trinta anos. Almost porque quase revelam os corpos nus. Almost porque há algo de quase surreal nos trabalhos. Almost pelo perfume da fotografia boudoir nessas pinturas. Almost porque quase não sei como descrever essa sensualidade sutil. Esse verbete do feminino que me escapa.
E, talvez, mais do isso, almost porque existe um pouco de todas as mulheres nas mulheres de Gretta Sarfaty. São todas um pouco de Gretta Sarfaty ela mesma. São quase todas um pouco de Fernandas, Jaquelines, Marias, Mirtes, Marinas, Patricias, Isobels, Yasmins, Camilas, Sofias, Helenas, Georgias, Glendas, Cecílias, Acássias, Brendas, Eloisas, Gabis, Cremildas, Raquéis, Lucianas, Mayas, Lias Di Castro, Elianas e todas que tornaram possível Gretta Sarfaty/ almost reflections of a woman.