LABINAC

O que sempre fizemos

Bruxelas
12.09 — 02.11.2024

O que sempre fizemos

Jacopo Crivelli Visconti 

We always did.
Travel.
Stayed.
A while.
Set up a house.

Built.

 

a chair
a table
a lamp
a vase

Left…..

Stay.

 

“Isso é arte?”

Recorrente no âmbito da arte contemporânea, a pergunta é frequentemente recebida pelos profissionais da área com um ar resignado de superioridade. Como se uma pergunta tão básica fosse, na verdade, apenas um atestado da incapacidade de entender algo que deveria ser óbvio e evidente. Eu, pessoalmente, sempre achei uma pergunta instigante. Será que é arte mesmo? Será que faz a menor diferença algo ser arte ou não ser? E o que é arte, afinal? Para grupos sociais e culturas distintas, no tempo e no espaço, arte quis e quer dizer coisas diferentes, da mesma forma como, a rigor, quase tudo que vemos no mundo pode significar coisas diferentes para pessoas diferentes. Ainda bem.

A LABINAC foi fundada pelos artistas Maria Thereza Alves e Jimmie Durham. Sua ética de trabalho, sua ação incansável em defesa dos direitos e da cultura dos povos originários, seu questionamento constante de binômios tensos, incontornáveis para uma real compreensão do mundo em que vivemos (natural-artificial; autóctone-exótico; puro-contaminado, entre outros): tudo isso faz deles artistas e pensadores essenciais da segunda metade do século 20 e deste começo de 21. A LABINAC não foi concebida pelos seus fundadores como um projeto artístico, mas como “um coletivo de design iniciado com o duplo objetivo de desenhar e fazer coisas e apoiar o trabalho artesanal dos povos indígenas da América Latina”.

O poema reproduzido acima coloca implicitamente a gênese do projeto num entendimento da vida como uma coreografia de movimentos e pausas. E o que mais imediatamente caracteriza essas pausas, que para pessoas e povos sob constante ameaça se tornam frequentemente temporárias, é a construção de uma casa e, principalmente, do que nos faz sentir em casa: ‘uma cadeira, uma mesa, uma lâmpada, um vaso’. Os objetos que nos acompanham ao comer, escrever, pensar, sonhar talvez outra vida e outro mundo. As coisas que we always did [sempre fizemos]. O poema, mesmo não assinado, parece esculpido na pedra ou na madeira no estilo inconfundível da escrita poética de Jimmie Durham (que, além de artista, foi um poeta extraordinário), e projeta os objetos da LABINAC num âmbito que transcende os limites do que costumamos chamar de design, porque é carregado de uma dimensão autenticamente filosófica, universal e atemporal.

O espaço da Martins&Montero em Bruxelas é, para todos os efeitos, um apartamento. Daria para morar nele, e as obras que integram cada exposição passam a habitá-lo como se fossem pessoas, estabelecendo com o contexto uma relação muito distinta da que se cria entre obras de arte e arquitetura num cubo branco convencional. No caso desta exposição, especificamente, as correspondências e relações se multiplicam, como os reflexos em dois espelhos colocados um na frente do outro, porque em muitas das obras aparecem representações de objetos banais, desses para os quais geralmente não olhamos, por considerá-los apenas “mobiliário”: uma lâmpada, um espelho bisotê, uma mesa, um vaso de flores. Os objetos da Labinac, que dividem a cena com essas obras, completam o processo de subversão dos limites entre os dois âmbitos (o da arte e o da domesticidade) ao ser, sem dúvida, “mobiliário”, mas ao mesmo tempo, também, obras de arte.

Em 1917, Erik Satie introduziu uma expressão até então quase inconcebível: musique d’ameublement [música mobiliário, ou furniture music na tradução inglesa, que se tornaria mais conhecida internacionalmente]. Essas composições eram concebidas para serem tocadas ao vivo em contextos diversos e não convencionais, onde Satie esperava que o público não prestasse atenção, e que a música pudesse ser ouvida como um fundo, como algo que apenas existe: como um móvel. De certo ponto de vista, o experimento foi um fracasso, as pessoas paravam para prestar atenção. Talvez haja algum tipo de lição aí, que passa pela importância de reparar nas coisas que por muito tempo não víamos, deixar de usar expressões que por muito tempo usamos, entender que o que está ao nosso redor, mesmo quando invisível, nunca é neutro, sempre carrega mensagens e significados potentes. De maneira silenciosa, mas potente, os objetos da LABINAC nos convidam a refletir sobre tudo isso.

Esse texto iniciava com a pergunta estereotipada do visitante perplexo na frente de uma obra de arte contemporânea: “Isso é arte?”. Faz sentido que termine invertendo a pergunta: “Isso é mobiliário?”

Jimmie Durham para LABINAC, After Alexander Calder, 2020

Cabide de aço, vidro de Murano, vidro, metal
Unique
60 x 57 x 13 cm

inventar amor, 2024

Óleo e cera de abelha sobre linho
Unique
70 x 80 cm

Maria Thereza Alves para LABINAC, Cloudstone (Rose), 2020

Vidro soprado à mão, latão, luminária, cabo
Unique
30 x 30 x 30 cm

Jimmie Durham para LABINAC, Sunlight through Glass on Stone, 2020

Latão, pedra, rocha vulcânica, Murano glass
Unique
110 x 50 x 50 cm

Elisa Strinna para LABINAC, Metamorphoses 01, 2023

Resina epóxi, aço inoxidável
Unique
53 x 47 x 1 cm

Jimmie Durham para LABINAC, Wooden bookshelf, 2021

Madeira
Multiple (unique)
104 x 125 x 23,5 cm

Jimmie Durham para LABINAC, 6 Leg Green Forest Table, 2019

Alumínio e mármore
Multiple (unique)
104 x 103 x 76 cm

Maria Thereza Alves para LABINAC, Allelic Combinations, 2020

Vidro de Murano soprado à mão
Unique
25 x 25 x 29 cm

Maria Thereza Alves para LABINAC, Embraced Chair (Thonet), 2022

Latão, madeira
Multiple
91 x 54 x 51 cm

A Travessia do Rubicão, 2024

Óleo sobre tela
Unique
30 x 20 cm

Sem título (Wasp Nest series), 2023

Acrílico, alumínio, resina fundida, borracha protética, pigmentos, luz led, grafite, ferro e pó de alumínio
Unique
30 x 26 x 23 cm

Jimmie Durham para LABINAC, Seascape Table, 2019

Pedra, alumínio e resina
Unique
100 x 79,5 x 75 cm